De maneira bem resumida, podemos afirmar que o bordado é a forma de criar desenhos e figuras em um tecido a partir do uso da linha e agulha, dentre outras ferramentas. É uma tradição que, muitas vezes, é passada de geração em geração, e que representa tanto a identidade e a memória de um povo. E o Ceará é conhecido em todo o Brasil – e inclusive em outros países – por ser um seleiro de artesãs e artesãos que mostram, com muito talento e dedicação, um pouco da nossa cultura e da nossa história.
E foi no Ceará que uma mulher elevou o bordado à categoria de arte. Não que antes não fosse assim, mas Nice Firmeza foi pioneira ao aliar o conhecimento teórico à sua verdadeira paixão. Ela, aliás, inquieta e criativa como sempre foi, não ficou apenas no bordado, embora essa seja uma de suas manifestações mais conhecidas. Nice Firmeza também foi uma exímia pintora, com destaque para suas obras em estilo naïf, uma atuante arte-educadora, tanto que nunca escondeu o orgulho de ministrar aulas para crianças, que sempre eram incentivadas a criar livremente, e chegou a coordenar a primeira Bienal de Pinturas Infantis do Estado do Ceará, e uma cozinheira de mão cheia, ganhando notoriedade ao fazer e servir doces cheios de sabor, história e afeto.
Nice Firmeza nasceu no dia 18 de julho de 1921, em Aracati. Como destaca Paula Machado, historiadora, coordenadora de acervos e projetos do Minimuseu Firmeza, fundado em 1969 pela própria Nice e o seu esposo, o também artista plástico Nilo Firmeza (Estrigas), ela sempre foi uma mulher à frente do seu tempo, tanto que foi a primeira a ingressar na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap). Começou a trabalhar em um período em que poucas trabalhavam e tinha muito orgulho disso. E, ao entrar no mundo das artes, deparou-se com um espaço majoritariamente masculino. Ela, claro, não se intimidou nem por um minuto sequer.
O processo artístico de Nice Firmeza, a princípio, sempre foi bastante intuitivo e, principalmente, criativo, seja em suas linhas e tintas ou até mesmo na culinária. Ela tinha esse dom de criar, experimentar e, depois, aprimorar. Mas, acima de tudo, Nice Firmeza queria, sim, que o bordado fosse reconhecido como arte. “Ela não concordava que o bordado fosse visto apenas como uma atividade de ‘mulher prendada’, como uma espécie de preparativo para o enxoval da casa e dos filhos. E esse processo se iniciava antes dos pontos, com o desenho a ser colorido com as linhas que ela chamava de risco. E sempre instigava seus alunos a fazerem os seus próprios riscos”, explica Paula Machado.
A historiadora também faz questão de destacar a forma como Nice Firmeza gostava de repassar sua arte e o seu conhecimento para todos, a exemplo da própria experiência do Minimuseu Firmeza. Trata-se de um espaço cultural, artístico e ecológico, que apresenta um panorama das diversas manifestações da arte cearense, composto de pinturas e esculturas, originais e reproduções, além de abrigar as obras do próprio casal. Sua dedicação ao museu era tanto que, em 2007, ela foi diplomada Mestra da Cultura pela Secretaria de Cultura do Ceará (Secult).
“Nice recebia o público de forma muito afetiva, vi diversas vezes grupos de pesquisadores terminarem suas entrevistas sentados com ela na mesa da cozinha, degustando uns dos seus quitutes. Ela fazia uma espécie de mediação com os visitantes, gostava de apresentar o museu, contava histórias sobre algumas obras, falava sobre os artistas. E também adora escutar o que os visitantes tinham para contar”, lembra Paula Machado.
Nice Firmeza faleceu em 2013, aos 91 anos. No entanto, seu legado, ainda hoje, segue se confundindo com a própria história da arte do Ceará, entre bordados, pinturas, gastronomia afetiva e educação. Ela é mais um talento da nossa terra que ainda inspira e seguirá inspirando futuras gerações.
E é movido por histórias inspiradoras como essa, de cearenses que se destacaram e mostraram sua cara para o restante do País, que o Sesc Ceará, braço social do Sistema Fecomércio vai realizar a 22ª Mostra Sesc de Culturas. Com uma programação 100% digital, o encontro será também 100% made in Ceará, para que todos, em qualquer lugar, conheçam outros talentos da nossa gente.